domingo, 16 de junho de 2013

Quatro. - Conhecendo Curitiba

         Curitiba é uma cidade normal. Quer dizer, para os padrões de cidade grande. É fria e cinza na maior parte do tempo e as pessoas parecem não se gostarem. Você vê carro por toda parte e pessoas apressadas achando que estão fora do seu tempo. Todos estamos atrasados de alguma maneira. Dia desses, andando até o shopping Estação, vi policiais abordando um grupo de usuários de crack, usando a violência mais bruta que o ser humano conhece. Descendo a cacetada nos pobres viciados, uma cena lamentável. Pessoas que eram para servir e dar segurança às outras mostrando como não se comportar. Bando de filhos da puta. O pior é sentir vontade de falar alguma coisa pra essa corja mas e o medo de acabar apanhando também? Não deveriam fazer de você um oprimido medroso. Porcos!
         Quando eu era criança, certo dia, saí de casa a caminho da escola colocando na cabeça que daria bom dia para todas as pessoas que visse no trajeto entre minha casa e a escola. Encontrei cinco pessoas. Seu Jacinto, o velho que morava ao lado da minha casa, uma menina chamada Natasha com sua mãe que moravam ao atravessar a rua, "Seu Mirto" com seu cachorro dando um passeio e, na esquina da escola, Manuela, que era a menininha que fazia meu coração balançar enquanto a professora nos explicava como funcionavam as frações. Ninguém - nem mesmo Manuela - retornou meu bom dia. Aprendi desde cedo que não se pode confiar em gente da cidade. Aprendi desde cedo que as coisas não seriam fáceis...

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Três.

          Meu salário não é lá aquelas coisas mas consigo me sustentar tranquilamente. Ganho pouco mas dá pra sobreviver. Quando falta grana, por causa de uma roupa ou de uma viagem a mais (ou muita bala), eu peço dinheiro emprestado aos meus pais que moram no subúrbio. Invento alguma desculpa para que eles liberem o dinheiro, eles hesitam, mas, sempre me dão. Sou muito filho da puta. Sou o mais novo de três irmãos. Uma, a mais velha, é casada e mora na minha cidade natal. O outro, meu irmão do meio, vive o mesmo drama que eu - namora uma menina de outra cidade, que é São Paulo. Só que as histórias são bem diferentes. Ele estava de casamento marcado com uma guria aqui de Curitiba, até que houve um baita desentendimento que acabou devastando tudo o que haviam construído juntos. O noivado se foi. Esta, de São Paulo, era um caso antigo, ou seja, eles já se conheciam antes. Fico feliz por ver que ele está feliz com seu novo-velho amor. Ele viaja semana sim, semana não para passar os fins de semana com ela. Quando ele não viaja, ela é quem vem até ele - haja dinheiro! A única coisa que me aflige é que não a conheço. Conheço, assim, por internet, mas ele nunca a levou até a casa dos meus pais para que eles pudessem conhecê-la.
          Tenho ouvido muita música cantada em português. Deixei o Yacopsae e o Nails de lado e passei a ouvir mais coisas como Belchior. Estou adorando. Quando ouço uma canção de amor, penso logo em mandar parte da letra pra Marina. Sei que isso pode parecer idiota, mas, ela disse que gosta, então continuo mandando, né? - espero que ele não se canse disso, pois tenho muita música na ponta da língua.

"Ó moça formosa
és minha e só minha
a ninguém pertences
a ninguém senão a mim."



quarta-feira, 12 de junho de 2013

Dois.

(Curitiba, PR)
          No caminho para o trabalho sempre passo na lanchonete que tem descendo meu prédio para comprar umas balas, dessas que deixam o hálito gostoso. Às vezes, tenho que fazer dez balas durarem dez dias. Falta dinheiro até pra balinha. A guria que me vende as balas é Rebeca. Ela usa um boné da lanchonete que a deixa muito sexy. Ela sempre me quis, segundo meus amigos, mas nunca me interessei por ela, apesar de ser bem bonita. Rolava uns boatos de que eu era gay. Há quem duvide da Marina até hoje, quando eu comento que estou namorando uma guria. Chego no trabalho e o desgosto logo me bate na cara. Esse lugar pega pesado comigo...
          As pessoas duvidam de Marina porque só a conhecem por fotos que eu mostro via computador. Marina mora noutra cidade e a gente nunca se viu (ainda...). Mal posso esperar para tê-la em meus braços. Ela ainda não sabe, mas a pintinha que carrega abaixo do nariz me cativa. Não vejo a hora de encher aquela pintinha de beijos. Preciso ver um dia para até a casa dela, conversar com meus sogros. Como ela é minha primeira namorada, essas coisas são meio novas para mim. Não sei se saberei como agir. Será que vou gaguejar? Deus do céu, que frio na barriga só de imaginar. Ela é o motivo de eu ainda não ter intimado a Rebeca a dar umas voltas por aí... Pff, quem vê pensa que eu sou assim, um garanhão. Sou ainda um puta piá de bosta. Desculpa, Rebeca, mas, meu coração está em outras mãos... Mãos, ainda, distantes. Preciso conversar com Marina para ver o que vamos fazer com essa distância toda. Minha vontade de morar pertinho dela não tá cabendo na minha mala.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Um.

(Curitiba, PR)
São 6h30 da manhã quando o despertador me expulsa da cama. O calendário marca o dia três e o mês é dezembro. Segunda-feira. Levanto da cama sem tirar a preguiça e sinto uma puta dor nas costas. No celular, nenhuma mensagem de bom-dia de Marina. Sou meio paranoico com algumas coisas. Elas caminham de uma forma errada, me deixando por baixo das situações, então, dentro da minha cabeça, crio conspirações contra mim. Essa caixa de mensagens vazia funciona como se fosse a cereja do bolo e, dentro de mim, a angústia explode. Eu boto os pés no chão e percebo que tudo era bobagem. Ah, Marina, você é tão doce!


(Algumas horas antes, em algum lugar do Estado de São Paulo)

Estamos todos sentados à mesa.
- E então, Marina, já decidiu o que quer de aniversário?
- (Neto, Neto, Neto...) Ah, sei lá, um iPod novo, talvez. – Jurei que não ia mencionar o Neto outra vez, porque Lucas com certeza começaria com suas piadinhas.
- O pai tava pensando em te dar aquele teu namoradinho cibernético, aquele lá, por quem você chora, noite sim, noite talvez.
- (Here we go...) O QUE??
- Ah, filha, tava pensando em te fazer uma surpresa...
(MEU DEUS, MEU DEUS, MEU DEUS)
- Bom, me dá dinheiro pra ir pra lá, ao invés de trazê-lo pra esse circo.
- Marina! – Olha só... Mamãe resolveu abrir a boca.
- Certo. Decida o dia e compre as passagens no meu cartão.
- Como?
- É, isso mesmo que você ouviu. Esse é o meu presente pra você. Afinal, não fazemos 21 anos todo ano.
- Ok.
Tentei não demonstrar muita ansiedade pra que Lucas não começasse de novo. Terminei o jantar o mais rápido que pude e corri pro quarto, pra procurar passagens. Estranhamente, depois dessa notícia, não tive coragem de contar pro Neto. Nem decidir qual seria um “bom dia” para vê-lo.

(De volta à Curitiba...)
No banheiro faço as coisas simultaneamente. Tomo banho, escovo os dentes e me barbeio. Faço tudo com perfeição, afinal, já perdi as contas de quantos dias foram vividos nessa rotina de merda, no mesmo emprego de merda, no mesmo cubículo apertado que mal abriga duas pessoas. Fora isso, até que minha vida é ajeitada, e eu não tenho muito do que reclamar. O foda é quando a escala me manda trabalhar nos finais de semana e eu não posso ver Marina. Saio de casa e piso em bosta de cachorro.
Adoro o centro da cidade.

(São José do Rio Preto, SP)
Quando saí do transe, olhei o relógio e percebi que já eram duas da manhã, do dia três. Ainda estava na frente do computador, olhando para o site de venda de passagens, imaginando Neto e eu, finalmente juntos, no apartamento apertado dele. Peguei o celular e tinha quatro mensagens e uma ligação, perdidas.
- Ele deve estar imaginando milhões de coisas agora, com certeza. Merda.
Levantei da cadeira e, pela primeira vez, peguei de dentro da embalagem dos correios aquela camiseta de uma banda que ele gosta, que eu nem ao menos sei pronunciar o nome, e vesti. Ela realmente tinha um cheiro gostoso. O cheiro que ele disse ser o perfume que usa, às vezes. Deitei na rede que papai colocou na sacada do meu quarto e tentei imaginar como seria sentir esse cheiro dentro de um abraço.